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Reforma tributária provoca elaboração de proposta de mudanças na legislação penal
O tema também está na pauta da pesquisa
De São Paulo A aprovação da reforma tributária incentivou a elaboração de uma proposta para a área penal. Um grupo de mais de 20 especialistas da FGV Direito SP – entidade que também participou da construção do texto original que resultou na Emenda Constitucional nº 132, de 2023 – já iniciou pesquisas em outros países, como Espanha, Portugal, Alemanha e Itália, para propor mudanças na esfera penal tributária. Um dos objetivos concretos da pesquisa é afastar o entendimento de que não há crime enquanto não finalizado o processo administrativo tributário (Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal). “Na prática, hoje, torna o crime tributário imprescritível”, afirma Heloisa Estellita, uma das coordenadoras da pesquisa, que também estudam, por exemplo, a necessidade de criação de novos tipos de crimes puníveis ou aumento de penas de crimes que já existem.
A íntegra da proposta da equipe da pesquisa “Evasão Fiscal: uma proposta legislativa para debate” do Núcleo de Direito Penal e Processual Penal da FGV Direito SP deverá estar disponível ao público em até dois anos. A ideia é que ela seja abraçada por algum parlamentar para ser transformada em projeto de lei. Reforma tributária pode ser uma oportunidade para mudar a lei penal” — Renato S. Vieira A reforma tributária, instituída pela Emenda Constitucional nº 132, aprovada no fim do ano passado, tem como principal objetivo simplificar o atual sistema. Ela cria, por exemplo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) para ficar no lugar do ICMS, ISS, PIS e Cofins. Agora, a regulamentação está em discussão no Congresso: os projetos de lei complementar (PLPs) nº 68 e nº 108. Uma das medidas da reforma tributária que pode impactar os contribuintes na esfera penal, aponta Heloisa, é que o contribuinte vai passar a receber dinheiro do Estado. Isso porque a compensação de benefícios fiscais será feita por meio de repasses do governo às empresas. “Fraudes que ocorreram nos países europeus devem acontecer aqui, como operação simulada para gerar direito à devolução de IVA”, diz ela. “Poderá ser necessária a criação de novos tipos penais”, acrescenta. O PLP 68, já aprovado na Câmara dos Deputados e em discussão no Senado, cria uma espécie de nova representação para fins penais para o caso específico de apuração de irregularidade da lei tributária (artigo 395). Segundo o dispositivo, a Receita Federal deve informar ao Ministério Público a suspeita de prática de crime tributário em até 10 dias após a emissão do auto de infração relativo à compensação de benefícios fiscais do ICMS na transição para o novo sistema CBS/IBS. Porém, esse mecanismo já existe na Lei nº 9.430/96 (artigo 83) e poderia gerar duplicidade de investigações penais.
De acordo com Heloisa, se estuda uma punição diferenciada na fase de transição da reforma tributária, período de sete anos durante o qual o contribuinte terá que conviver com dois sistemas tributários diferentes ao mesmo tempo. “Na Itália, por exemplo, em caso de controvérsia, a infração não é punida na esfera penal, só no âmbito administrativo”, diz a advogada. Na Espanha, segundo Fernanda Vilares, também coordenadora da pesquisa e procuradora da Fazenda Nacional, há uma cláusula de aumento da pena para o crime de fraude à execução tributária. O tema também está na pauta da pesquisa. “A experiência de atuação como procuradora e gestora de dívida nos deu a convicção de que as empresas usam o não pagamento como estratégia de negócio. Atualmente, nosso problema são os grandes planejamentos que tentam maquiar as operações ou estratégias de blindagem patrimonial”, afirma. Por outro lado, ao contrário do que acontece hoje, uma nova norma poderá delimitar melhor quais administradores podem ser acusados de crime. “Não é um problema da reforma, mas não existe norma no Brasil para determinar a transferência da responsabilidade penal para o administrador de fato, como há na Alemanha, Espanha e Itália”, diz Heloisa. “A consequência, hoje, no país, é que o Ministério Público direciona a investigação a todos os dirigentes.” Uma nova legislação, afirma Heloisa Estellita, pode evitar que quem não tem nada a ver com a fraude não seja mais forçado a fazer acordo com o MP, mesmo sem responsabilidade, só para se livrar do risco de prisão. Para Renato Stanziola Vieira, sócio do Kehdi Vieira Advogados e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCRIM), a reforma tributária pode ser uma janela de oportunidade para necessárias mudanças na legislação penal. “A reforma tributária veio para dar transparência e simplificação, assim é uma chance de também simplificarmos o atual cipoal de normas penal tributárias”, diz.
Uma reforma penal, afirma o especialista, poderia acabar com o uso ilegítimo da pena para fim de arrecadação. “Um exemplo é a punição do substituto tributário em vez do sonegador. O resultado disso são idas e vindas de programas de parcelamento tributário.” Outro item que poderia ser abordado nessa proposta, segundo Vieira, é o uso de órgãos como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para a obtenção de informações sigilosas dos contribuintes, sem autorização judicial. Já Renato Silveira, advogado e professor de Direito Penal da USP, destaca a atual questão da extinção de punibilidade penal com o pagamento do tributo devido. “Desde a década dos anos 90, essa discussão gera enorme controvérsia porque o Direito Penal não deveria servir para arrecadar dinheiro”, afirma. “Poderia-se limitar o uso disso uma vez a cada cinco anos, por exemplo, para evitar um sistema disfuncional.”
Fonte: Valor Econômico