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Falta regra para dividir lucros de uma ideia

Definição de titularidade, lentidão de análise do pedido e distribuição de royalties inviabilizam comercialização

Autor: Sabine RighettiFonte: Folha de S.Paulo

O casamento da universidade com a empresa no desenvolvimento de um produto é difícil por si só. Mas, se o trabalho der origem a uma patente, a coisa complica de vez -ainda mais se o governo entrar nesse triângulo.

Não há regras claras sobre quem fica com a propriedade intelectual e sobre como será a distribuição dos lucros dos trabalhos em conjunto.

Além disso, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha, a falta de cultura nessas parcerias, muito recentes no Brasil, faz com que os acordos ainda patinem.

"A definição da patente é o principal entrave para a relação universidade-empresa no Brasil", avalia a economista Hérica Righi, da Fundação Dom Cabral. Ela estuda o assunto no doutorado que desenvolve na Unicamp.

"As empresas têm medo de perder a propriedade intelectual. Muitos cientistas querem publicar os resultados de um trabalho em conjunto em artigos acadêmicos [o que inviabiliza o patenteamento]."

O primeiro desafio é definir o titular (dono) da patente e a porcentagem dos parceiros (veja quadro).

Se a proteção for concedida pelo Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), o que leva uma média de seis anos, a próxima etapa é verificar se o produto desenvolvido lá atrás ainda é competitivo no mercado.

ROYALTIES

Caso a decisão seja colocar a inovação nas prateleiras, a distribuição dos royalties entre os parceiros é uma nova etapa -discutida só depois da obtenção da inovação.

Essa divisão pode tornar a comercialização inviável para o dono da patente.

O empresário Luís Felipe Pereira Barroso, diretor da Ecovec, uma empresa mineira de base tecnológica que desenvolve soluções para controle e manejo da dengue, já enfrentou esse tipo de negociação trabalhosa.

A Ecovec tem cinco patentes concedidas. São duas individuais, duas com a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e uma tripartite, que inclui a Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais), que financiou parte da pesquisa.

"Nesta última, a proposta inicial de distribuição dos royalties tornaria impossível comercializar o produto. Fechamos em 2,2% para a UFMG e 0,4% para a Fapemig."

"Falar de propriedade intelectual é falar de dinheiro. As negociações são difíceis", diz Mario Borges Neto, presidente da Fapemig.

A fundação é, de acordo com o Inpi, uma das dez maiores patenteadoras do país. Na mesma lista estão a Fapesp (Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado de São Paulo), quatro universidades e apenas três empresas.

"Nos países desenvolvidos, quem inova são as empresas. As universidades atuam como prestadoras de serviços", diz Bruno Rondani, da consultoria de inovação Allagi.

Do ponto de vista legal, de acordo com a advogada Flávia Merola, que trabalha com patentes no escritório Siqueira Castro, o problema é a "idade" das leis. A Lei de Inovação, que trata de temas como as parcerias, por exemplo, tem menos de dez anos.

"Não temos uma cultura madura para fazer inovação nem patentes em parceria."

 

Criado no Brasil, produto só obtém vendas no exterior
 

Inovar em parceria no Brasil é difícil, mas o que vem depois pode ser pior ainda.

Para o empresário Luís Felipe Ferreira Barroso, diretor da Ecovec, a negociação da patente conjunta com universidade e governo foi só o primeiro obstáculo na comercialização dos seus produtos.

Uma das suas principais inovações, o MI Dengue, é exportada para os governos de cerca de dez países, como Colômbia e Austrália. É um sistema com GPS que monitora as populações do Aedes aegypti em uma determinada localidade para visualizar se ações públicas contra a dengue estão surtindo efeito.

Outras exportações estão sendo negociadas, por exemplo com o Ministério de Saúde do Paraguai. São elas que dão corpo à receita da empresa (R$ 2,7 milhões em 2011).

"Vendo para a Austrália, mas aqui no Brasil eu não consigo comercializar o meu produto em nível federal. Tenho acordos apenas com alguns municípios."

"Isso não faz sentido, já que a inovação foi desenvolvida em parte com dinheiro público federal [em parceria com a UFMG] e a dengue é um problema sério no país."

De acordo com o Ministério da Saúde, no primeiro semestre de 2012 (janeiro a junho) foram registrados 431.194 casos de dengue no país. Quase metade dos casos está na região Sudeste.

Na opinião de Mario Borges Neto, presidente da Fapemig, a Ecovec é um exemplo de empresa de base tecnológica inovadora "sobrevivente" em um ambiente com tantas barreiras.

"Mas infelizmente ela é uma exceção." (SR)

 

Para consultor, prioridade deve ser a invenção e não o seu rendimento
 

Produzir patentes já se tornou uma das missões das universidades -é, aliás, um dos critérios para avaliar as principais instituições do mundo, ao lado de indicadores como artigos científicos. Mas ficar com os royalties das patentes é outra história.

De acordo com o engenheiro Bruno Rondani, sócio-fundador da consultoria de inovação Allagi, a negociação das universidades com as empresas na comercialização de um produto feito em conjunto pode afugentar as companhias -e o dinheiro.

"Nenhuma grande universidade dos EUA vive de royalties de patente."

No Brasil, as principais universidades do país contam com núcleos especializados para agilizar parcerias com empresas e negociar a propriedade intelectual.

"Mas as universidades criam tantas regras que o negócio não ganha volume."

Rondani trabalha principalmente com inovação aberta, que envolve vários parceiros no desenvolvimento de um produto. Um dos projetos em que ele está envolvido, afirma, integra dez empresas e uma universidade.

"Separamos o processo da inovação em várias pequenas partes. Cada parceiro é dono da inovação que criar."

A advogada Laura Haimoff, especialista em propriedade intelectual, sabe que negociar titularidade de patente e royalties é muito difícil.

"Já acompanhei negociação de royalties que chegou a levar dois anos." (SR)