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STJ e a Lei de Falências: como o tribunal vem decidindo questões de empresas em estado de crise econômico-financeira

Substituindo o Decreto-Lei 7.661/45, que tinha área de incidência mais restrita, a atual legislação ampliou a aplicação da falência

Fonte: STJ
A nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei 11.101) foi sancionada pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 9 de fevereiro de 2005, e tem como principal objetivo – considerado, por muitos, inovador – preservar a empresa em estado de crise econômico-financeira. 

Substituindo o Decreto-Lei 7.661/45, que tinha área de incidência mais restrita, a atual legislação ampliou a aplicação da falência, estendendo-a também ao empresário, seja individual ou de forma societária. 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), última instância da Justiça brasileira para as causa infraconstitucionais, vem julgando vários processos com base na nova lei e estabelecendo a correta interpretação sobre questões como o pedido de falência, o prazo para pedir a desconsideração da personalidade jurídica e até a intervenção do Ministério Público durante o procedimento de quebra. 

Pedido de falência

No julgamento do recurso especial 920.140, a Quarta Turma do STJ lembrou que a Corte repele o pedido de falência como substitutivo de ação de cobrança de quantia ínfima, devendo-se prestigiar a continuidade das atividades comerciais, uma vez não caracterizada situação de insolvência, diante do princípio da preservação da empresa. 

No caso, a FICAP S/A recorreu de decisão que julgou extinta ação de falência proposta por ela contra a Instaladora Elétrica Ltda., sem o julgamento do mérito, sob o fundamento de que o objetivo da demanda é a rigidez no recebimento do crédito. 

Para isso, sustentou que o pedido de falência estava devidamente amparado em duplicatas vencidas e protestadas, com a prova de recebimento da mercadoria, e baseava-se na impontualidade, sendo desnecessária a demonstração de insolvência da ré. 

Em seu voto, o relator, ministro Aldir Passarinho Junior, hoje aposentado, ressaltou que, em razão do princípio da preservação da empresa, não basta a impontualidade para o requerimento da falência; devem ser levados em consideração também os sinais de insolvência da empresa. 

A Corte Especial, no julgamento da SEC 1.735, não homologou a sentença estrangeira proferida pelo Poder Judiciário de Portugal, que decretou a falência do empresário Raul Lopes Fonseca, cujos bens localizados no Brasil, bem como suas cotas sociais, passaram a integrar a massa falida, “cujo administrador já fora nomeado por aquele mesmo juízo”. 

Em seu voto, o ministro Arnaldo Esteves Lima, relator, ressaltou que, caso fosse homologada, a sentença estrangeira obstaria no Brasil a instauração ou o prosseguimento de qualquer ação executiva contra o falido, restringindo, assim, a jurisdição brasileira. 

O colegiado lembrou que, segundo o princípio da universalidade, a decretação da falência compete ao juízo do local do principal estabelecimento do devedor (artigo 3º da Lei 11.101). 

Direito intertemporal

E quando o pedido de falência foi feito sob a vigência do DL 7.661/45? Para o STJ, nas hipóteses em que a decretação da quebra ocorreu sob a vigência da Lei 11.101, mas o pedido de falência fora feito na vigência do DL 7.661, deverão ser aplicadas as disposições da lei anterior aos atos praticados antes da sentença. 

O entendimento foi aplicado no julgamento do recurso interposto pela massa falida da Desenvolvimento Engenharia Ltda. contra o Condomínio do Edifício Torre Charles de Gaulle (REsp 1.063.081). 

No caso, o condomínio propôs execução de título judicial contra a massa falida, tendo sido efetivada a penhora, avaliação e arrematação de bem imóvel de propriedade da executada, para satisfação de débito, durante a vigência da antiga lei. Contudo, antes que pudesse ocorrer o levantamento da quantia pelo exequente, foi decretada a quebra da empresa executada, já sob a vigência da Lei 11.101. 

O juízo de primeiro grau determinou a suspensão da execução e habilitação do crédito na falência. O condomínio, então, agravou desta decisão e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deu provimento ao considerar que a Lei 11.101 se aplica às falências decretadas em sua vigência, mesmo que o ajuizamento do processo tenha se dado anteriormente, mas incidindo somente a partir da sentença de decretação. 

No STJ, a ministra Nancy Andrighi, relatora, destacou que a alienação judicial do bem ocorreu antes do decreto da quebra, por isso o valor apurado deveria ser destinado, primeiramente, à satisfação de crédito do recorrido e, após, havendo remanescente, reverteria em favor da massa. 

“Cumpre consignar, por fim, apenas a título de reforço de argumentação, que, mesmo que não houvesse regra expressa de direito intertemporal na Lei 11.101, as suas regras de natureza processual devem ter aplicação imediata aos processos em curso. Aplicação imediata esta que não se confunde com retroatividade da norma. Em outras palavras, aqui também vale a máximatempus regit actum, ou seja, se a alienação judicial dos bens, na hipótese, ocorrera antes da entrada em vigor da lei nova e da decretação da quebra da recorrente, aplicam-se os dispositivos da lei que estava em vigor à época (Decreto-Lei 7.661), para definir a destinação do valor apurado”, afirmou a ministra. 

Intervenção do MP

Embora a intervenção do Ministério Público não seja obrigatória em ações que tenham relação com a falência de empresas, nada impede sua atuação, e o processo só será nulo se o prejuízo da intervenção for demonstrado. 

A Terceira Turma do STJ, ao julgar o recurso interposto pela Transbrasil S.A. Linhas Aéreas contra a GE Engines Services – Corporate Aviation Inc., destacou que na vigência do DL 7.661 era possível a intervenção do MP durante todo o procedimento de quebra, mesmo em sua fase pré-falimentar, alcançando também as ações conexas. 

Com o advento da Lei 11.101, houve sensível alteração desse panorama, sobretudo ante a constatação de que o número excessivo de intervenções do MP vinha assoberbando o órgão e embaraçando o trâmite das ações falimentares. Diante disso, vetou-se o artigo 4º da nova Lei de Falências, que mantinha a essência do artigo 210 do DL 7.661, ficando a atuação do MP restrita às hipóteses expressamente previstas em lei. 

“Tendo em vista o princípio da instrumentalidade das formas, a anulação do processo falimentar ou de ações conexas por ausência de intervenção ou pela atuação indevida do Ministério Público somente se justifica quando for caracterizado efetivo prejuízo à parte”, assinalou a ministra Nancy Andrighi, relatora, em sua decisão. 

Credor do falido 

Para o STJ, é de reconhecer o interesse jurídico do credor do falido, devidamente habilitado na ação falimentar, para intervir como assistente da massa falida nos autos em que ela atuar como parte. 

A jurisprudência foi aplicada pela Terceira Turma do Tribunal, ao julgar recurso interposto pela Proview Eletrônica do Brasil Ltda. contra a Sharp S.A. Indústria de Equipamentos Eletrônicos (REsp 1.025.633). 

No caso, a Proview afirmava que era credora das massas falidas da Sharp S.A. e da Sharp do Brasil S.A. Indústria de Equipamentos Eletrônicos e que, por estar a Sharp Kabushiki Kaisha, também denominada Sharp Corporation, postulando, em processo autônomo, a anulação e adjudicação dos registros da marca Sharp, requereu a sua admissão como assistente simples. 

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região indeferiu o pedido. A Proview recorreu ao STJ sustentando que, além de estar caracterizado o seu interesse jurídico em proteger os bens da massa falida, a antiga Lei de Falências assegura aos credores da massa o direito de intervir como assistentes nas causas em que ela seja parte. 

Em seu voto, o relator, ministro Massami Uyeda, destacou que a declaração de falência constitui novo regime jurídico entre o comerciante falido e seus credores. Entre outros efeitos, o falido perde o direito de administrar e dispor dos seus bens, que deverão ser arrecadados para a satisfação dos seus credores, naquilo que for possível, configurando-se uma verdadeira execução concursal. 

Com isso, nasce para os credores do falido o interesse na preservação e arrecadação de todo e qualquer patrimônio que possa vir a formar a massa falida objetiva. “Nessa circunstância, não há como negar que, nesse momento, o credor do falido passa a ter interesse jurídico quanto aos bens do falido”, afirmou o ministro. 

Remuneração do síndico 

De acordo com o STJ, o síndico de massa falida destituído da atribuição não faz jus à remuneração pelo trabalho exercido. Assim, a Quarta Turma resolveu afastar os honorário concedidos pelo Tribunal de Justiça da Paraíba ao síndico da massa falida da Usina Santana S/A (REsp 699.281). 

O síndico alegou que não havia sido destituído, mas apenas substituído. Por isso, deveria ser remunerado. Para ele, entender de forma diversa revelaria nova interpretação dos fatos. 

O TJPB entendeu que o trabalho fora indubitavelmente exercido, e a contrapartida pelo trabalho realizado seria a remuneração, por não ser autorizado o trabalho escravo. No entanto, a ministra Isabel Gallotti esclareceu que, conforme disposição literal do Decreto-Lei 7.661, não cabe remuneração alguma ao síndico destituído. Demonstrada a destituição, o STJ só poderia enquadrar o fato à norma pertinente. 

Suspensão de execuções 

É a partir do deferimento do processamento da recuperação judicial que todas as ações e execuções em curso contra o devedor se suspendem. Na mesma esteira, diz o artigo 52, III, da Lei 11.101 que, estando a documentação em termos, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato, ordenará a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor. 

Assim, os atos praticados nas execuções em trâmite contra o devedor entre a data de protocolo do pedido de recuperação e o deferimento de seu processamento são, em princípio, válidos e eficazes, pois os processos estão em seu trâmite regular. “A decisão que defere o processamento da recuperação judicial possui efeitos ex nunc, não retroagindo para atingir os atos que a antecederam”, concluiu a Segunda Seção do STJ, no julgamento do CC 105.345. 

Segundo os ministros do colegiado, o artigo 49 da nova Lei de Falências delimita o universo de credores atingidos pela recuperação judicial, instituto que possui abrangência bem maior que a antiga concordata, a qual obrigava somente os credores quirografários. 

“A recuperação judicial atinge todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, ou seja, grosso modo, além dos quirografários, os credores trabalhistas, acidentários, com direitos reais de garantia, com privilégio especial, com privilégio geral, por multas contratuais e os dos sócios ou acionistas”, afirmou a Seção. 

Competência 

Para o STJ, o juízo responsável pela recuperação judicial detém a competência para dirimir todas as questões relacionadas, direta ou indiretamente, com tal procedimento, inclusive aquelas que digam respeito à alienação judicial conjunta ou separada de ativos da empresa recuperanda, diante do que estabelece a Lei 11.101. 

O entendimento foi aplicado pela Segunda Seção no julgamento do CC 112.637. No caso, a Varig Linhas Aéreas S/A instaurou o conflito de competência envolvendo o Juízo de Direito da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde se processa a recuperação judicial de empresas do Grupo Varig, e o Juízo da 82ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, no qual tramitava reclamação trabalhista contra a Varig Linhas Aéreas. 

Segundo o relator, ministro João Otávio de Noronha, com a edição da Lei 11.101, respeitadas as especificidades da falência e da recuperação judicial, é competente o respectivo juízo para prosseguimento dos atos de execução, tais como alienação de ativos e pagamentos de credores, que envolvam créditos apurados em outros órgãos judiciais, inclusive trabalhistas, ainda que tenha ocorrido a constrição de bens do devedor. 

“Após a apuração do montante devido, processar-se-á no juízo da recuperação judicial a correspondente habilitação, de modo a não transgredir os princípios norteadores do instituto e as formalidades legais do procedimento, nem desvirtuar o propósito contido no artigo 47 da Lei 11.101”, afirmou o ministro. 

Noronha destacou, ainda, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido, reiteradamente, a incompatibilidade da adoção de atos de execução de julgados em outros juízos, notadamente na esfera trabalhista, de forma simultânea ao curso de processo de reorganização judicial da empresa devedora. 

Personalidade jurídica 

No julgamento do recurso especial 1.180.714, a Quarta Turma aplicou o entendimento de que a desconsideração da personalidade jurídica é técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica – ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa –, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos. 

A decisão levou em conta diferenças essenciais entre a desconsideração e dois outros institutos, a ação revocatória falencial e a ação pauliana. A primeira visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda, à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, com o objetivo de devolver à massa falida ou insolvente os bens necessários ao adimplemento dos credores. 

Assim, o colegiado considerou que descabe, por ampliação ou analogia, sem previsão legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos decadenciais para o ajuizamento das ações revocatória falencial e pauliana. 

“Relativamente aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetualidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão, em seu voto. 

Segundo o ministro, no processo falimentar, não há como a desconsideração da personalidade jurídica atingir somente as obrigações contraídas pela sociedade antes da saída dos sócios. 

“Reconhecendo o acórdão recorrido que os atos fraudulentos, praticados quando os recorrentes ainda faziam parte da sociedade, foram causadores do estado de insolvência e esvaziamento patrimonial por que passa a massa falida, a superação da pessoa jurídica tem o condão de estender aos sócios a responsabilidade pelos créditos habilitados, de forma a solvê-los de acordo com os princípios próprios do direito falimentar, sobretudo aquele que impõe igualdade de condição entre os credores, na ordem de preferência imposta pela lei”, afirmou o ministro Salomão.