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O papel do contador no mercado de capitais

Crescimento do setor abre oportunidades para profissionais da área contábil em diferentes atuações

Autor: Luciane Alves da CostaFonte: Jornal do Comércio

Após 10 anos trabalhando em um escritório contábil, Gilson Costa decidiu traçar um novo rumo para sua carreira. Há dois meses, o contador tornou-se assessor de investimentos na sede de Novo Hamburgo da Magnum Investimentos. A oportunidade surgiu a convite da empresa devido à experiência dele como investidor na bolsa de valores, atividade iniciada no último ano, apesar de o interesse vir desde a faculdade. Costa aceitou o desafio motivado pelas expectativas de crescimento do mercado de capitais. “Estou trabalhando e acreditando no fortalecimento do mercado no Brasil, que ainda é pequeno em relação ao seu potencial”, afirma Costa, referindo-se à possibilidade de aumento do número de investidores em função da estabilização da economia brasileira e da realização de grandes eventos esportivos no Brasil, como a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016.

Tiago Prux, sócio e diretor de expansão da Magnum Investimentos, afirma que a expectativa de Costa em relação ao setor é válida, uma vez que o mercado de capitais volta a se recuperar após os efeitos da crise. “Entre 2008 e 2010, o número de investidores permaneceu estável, mas agora observamos mais empresas lançando ações na bolsa e mais pessoas querendo investir nelas”, diz. Apenas na Magnum, que possui como um de seus focos de atuação a educação financeira, mais de duas mil pessoas realizaram cursos na área entre novembro de 2010 e março de 2011.

Prova também do momento favorável, segundo Prux, é o aumento do número de empresas operando no setor e apostando na diversidade de produtos. “Hoje as pessoas não procuram mais o banco como referencial de investimentos; empresas como a Magnum oferecem mais opções e informações sobre operações de renda variável e também fixa, como fundos imobiliários”, comenta.

Estima-se que nos próximos anos o número de investidores no Brasil passe de 600 mil para 5 milhões e, para suprir essa nova demanda, é preciso a colocação de pessoal capacitado para atender à demanda, especialmente com habilidade em vendas e bom relacionamento interpessoal. “O perfil de quem trabalha no mercado de ações não precisa ser necessariamente técnico, mas é preciso que seja voltado para a área comercial”, reforça Prux.

Costa está se adaptando a esse novo viés de trabalho, aplicando os conhecimentos adquiridos em sua formação como contador para diferenciar-se dos colegas oriundos de outras graduações. Ele aposta em sua visão mais abrangente de fluxo de capitais e de características desse mercado para conquistar espaço. Quanto às características da nova função, o contador vê como uma oportunidade de emprego diferente para a Contabilidade. “O contador é responsável em transformar dados em informações valiosas para seus clientes; no mercado de capitais fazemos isso com foco em rentabilidade para eles, mostrando novos caminhos para seus investimentos”, afirma.

Transparência de informações é prioridade

Quando a atuação do contador que trabalha com renda variável é dentro de um banco, o papel dele deve ser garantir que seja disponibilizado o maior número de informações para sócios da instituição e para analistas do mercado, de forma a fornecer os dados necessários para a decisão sobre a aquisição de títulos. Werner Kohler é superintendente-executivo da Unidade de Contabilidade do Banrisul, sendo o responsável pelo processo contábil do banco e também pelo fornecimento de subsídios para o departamento de relação com investidores. “Levamos dados para esse setor que faz contato direto com os analistas, mas somos decisivos também para auxiliar na interpretação desses números”, comenta.

Kohler acredita que o papel do contador na área é fundamental para levar ao analista as práticas contábeis utilizadas pela empresa. “Fazemos um livro de dados no qual há o detalhamento de todas as carteiras, negócios, receitas e despesas do banco, de forma a garantir transparência para o investidor e para que ele entenda o ambiente onde atua a empresa, assim ele pode tomar uma decisão acertada quanto às ações. A transparência é cada vez mais fundamental para nosso trabalho”, afirma Kohler.

Além da garantia de informações acuradas, o contador deve agora se preocupar também em fazer isso de forma adequada em relação às Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS). “Neste momento de globalização dos mercados, é papel do contador conhecer muito bem essas novas regras e oferecer aos investidores demonstrações financeiras comparadas a outras empresas do mundo”, defende Kohler, lembrando que o investidor não escolhe o local onde aplicar seu dinheiro pelo país em si, mas pela solidez de suas empresas.

Kohler reforça a necessidade de atualização do profissional, uma vez que as principais decisões e discussões a respeito do IFRS vêm de outros países. Para isso é importante participar de cursos e formações, ter domínio da língua inglesa e estar alinhado com as entidades de classe do mercado no qual a empresa está inserida. “Para ser um agente de melhoria quanto a essas regras, o contador deve estar presente nas discussões que levam as sugestões de alterações para as entidades responsáveis”.

Visão sistêmica abre espaço a profissionais

Uma das principais entidades de classe da área de mercado de capitais na região Sul tem à frente um contador. Marco Antonio dos Santos Martins é presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec-Sul), além de professor da ESPM e da Faculdade São Francisco de Assis (Unifin) e sócio da J&M Investimentos. 
Para ele, existe espaço para os contadores em várias funções devido à visão sistêmica desses profissionais. “O conhecimento aprofundado do funcionamento das empresas possibilita que eles ocupem posições como analista de investimentos, gestor de carteira e gerente de relações com investidores”, explica.

A capacidade de comunicar dados financeiros ao mercado é a característica dos profissionais contábeis mais valorizada pelo setor. “O mercado de capitais dá importância à qualidade da informação recebida para tomada de decisão. Por falar e entender essa linguagem, o contador leva vantagem em relação a outros profissionais.”

Como professor universitário, Martins tem observado também constante crescimento de interesse por parte dos estudantes em seguir carreira no setor. A motivação vem pela possibilidade de ganhos financeiros em um mercado em expansão, que oferece grande número de oportunidades. “Muitas universidades investem em disciplinas específicas, voltadas para administração financeira e análise das demonstrações contábeis”, exemplifica, lembrando que compreender bem as demonstrações faz diferença em como elas podem influenciar nos resultados de uma empresa.

Seleção de mão de obra acontece ainda na graduação

A capacidade de absorção de mão de obra em um mercado que vive forte expansão tem sido percebida ainda na universidade. A contadora Mara da Silva Carvalho, supervisora de Contabilidade da Solidus Investimentos, foi contratada pela empresa dois anos antes de sua formatura. A profissional foi selecionada como estagiária e logo virou assistente, devido à valorização de uma experiência anterior com gestão financeira.

Hoje ela faz parte da equipe responsável por garantir relatórios diários e mensais das atividades da corretora e dos sete fundos que ela administra, destinados para a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) e para o Banco Central. “Para trabalhar na área é preciso bastante conhecimento sobre legislação em relação a estas duas entidades, que muda com frequência”, explica.

Mara conta que, além da função voltada para resultados e operações da empresa, o setor de Contabilidade da Solidus atua também como consultor para alguns de seus clientes e seus contadores. “O mercado de capitais cresceu muito rápido, em período de Imposto de Renda muitos escritórios contábeis nos questionam sobre como declarar os valores obtidos na bolsa, por exemplo”, conta.