Notícias
Empréstimo corriqueiro se transforma em problema
Fonte: Correio Braziliense
Vicente Nunes
O que era para ser uma operação corriqueira — um empréstimo a uma empresa — provocou enormes ruídos no mercado financeiro, incitou desconfianças em torno da saúde da maior companhia do país e transformou-se em um fato político que ainda dará muita dor de cabeça ao governo. Por trás de toda a polêmica está o financiamento de R$ 2 bilhões concedidos à Petrobras pela Caixa Econômica Federal no último 31 de outubro para que a estatal pudesse fechar as contas e honrar os pagamentos com impostos de mais de R$ 11,4 bilhões. Na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o disse-me-disse provocou queda de 2,78% nas ações preferenciais da companhia. A oposição, liderada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), insinuou que a empresa está à beira da insolvência. No governo, pelo menos três ministros foram escalados para rebater as acusações contra a Petrobras.
Infelizmente, há exageros por todos os lados. Que a Petrobras foi afetada pela escassez de crédito, provocada pela crise, não há dúvidas. Mas dizer que a empresa está mal financeiramente é totalmente improcedente”, disse Rossano Oltramari, sócio-diretor da Corretora XP Investimentos. Segundo ele, é normal que uma companhia do porte da petrolífera enfrente problemas momentâneos para fechar o caixa, especialmente num momento de forte queda do preço do petróleo. “Por isso, existe o sistema bancário, para conceder empréstimos e suprir as necessidades de capital.” A seu ver, se as taxas da operação foram compatíveis com as cobradas no mercado, todos se beneficiaram. O que não pode é haver subsídios, ou seja, a Caixa cobrar juros menores do que o normal pelo fato de a instituição e a Petrobras serem empresas públicas.
Outro temor expressado pelos críticos é que, pelo seu porte e pelas necessidades de recursos para tocar investimentos, a Petrobras acabe sugando todo o dinheiro dos bancos públicos, reduzindo a oferta de crédito a outras firmas para atividade importantes. Assessores da presidente da Caixa, Maria Fernanda, garantiram que não há possibilidade de concentração de empréstimos na estatal. Apesar de a liberação de R$ 2 bilhões representar quase 20% da carteira de crédito a empresas, o banco tem capacidade para ampliar a oferta em todas as modalidades em cerca de R$ 100 bilhões. E mais: por lei, empréstimos a um único cliente podem comprometer, no máximo, 25% do patrimônio de referência de um banco. No caso da Caixa, o comprometimento com o financiamento à Petrobras é de 11,6%.
Diante desse quadro, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, foi taxativo: “A oposição está meio sem discurso e, às vezes, começa a inventar para suprir essa deficiência”. Na opinião da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, “é ridículo” dizer que Petrobras está com problemas de caixa. Ela disse ainda que todos os bancos querem emprestar para a empresa. Responsável pela divulgação do empréstimo, Tasso Jeiressati sustenta que também há atraso no pagamento de fornecedores. Ele frisou que o empréstimo será pago em 180 dias com juros correspondentes a 104% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), título usado pelos bancos para negociar dinheiro entre si.
Investimento
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, admitiu a dificuldade momentânea da empresa. “Ela não está mal. Teve apenas dificuldades momentâneas em razões de impostos e compromisso que teve de pagar”, afirmou. Paulo Bernardo endossou: “A Petrobras neste ano, vai investir cerca de US$ 60 bilhões e, no ano que vem, será muito mais. Só para o pré-sal precisará de US$ 60 bilhões. É um enorme problema de caixa, mas vamos resolvendo”. Em nota, a Petrobras informou a previsão de investimentos de US$ 112,4 bilhões entre US$ 2008 e 2012. Para tocar seus projetos, precisa completar o caixa com recursos tomados no mercado da ordem de US$ 4 bilhões por ano.
A empresa ressaltou que, assim como todas as empresas brasileiras, vitimadas pela escassez de linhas internacionais de crédito e pela disparada dos preços do dólar, vem suprindo suas necessidade de financiamento no mercado interno. Em outubro, admitiu, teve maiores gastos com impostos e taxas, devido ao lucro líquido maior computado no terceiro trimestre de 2008.
BOVESPA SONOLENTA
Sem a referência do mercado de Nova York, fechado por causa do feriado de Ação de Graças, o investidor da Bolsa de Valores de São Paulo produziu a sessão mais sonolenta dos últimos 18 meses. Depois de oscilar o dia inteiro em torno da estabilidade, o pregão Ibovespa encerrou em baixa de 0,7%. O giro financeiro somou tímidos R$ 1,74 bilhão, o mais baixo desde 25 de maio de 2007. “Sem Nova York, o investidor ficou arredio a montar posições mais sólidas na Bovespa”, disse Kelly Trentin, analista de mercado da corretora SLW. A Bolsa de Frankfurt subiu 2,3% e a de Londres, 1,7%.
R$ 6,2 bi em dividendos
Apesar de a Petrobras já estar enfrentando problemas de caixa, o governo exigiu que a companhia transferisse para o Tesouro Nacional R$ 6,2 bilhões em forma de dividendos referentes ao lucro líquido acumulado nos nove primeiros meses do ano. Por causa desse repasse, já em setembro, a empresa registrou um rombo de R$ 2,3 bilhões em seu caixa, conforme relatório encaminhado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Segundo analistas, se o governo tivesse aberto mão ou adiado o repasse de dividendos, usados na composição do superávit primário do setor público (economia para o pagamento de juros da dívida), dificilmente a Petrobras teria de se socorrer com a Caixa Econômica Federal, tomando um polêmico empréstimo de R$ 2 bilhões no mês passado.
Ex-diretor financeiro da estatal Carlos Thadeu de Freitas Gomes disse que as intensas relações entre a Petrobras e o governo não vêm de hoje. De tempos em tempos, um se socorre no outro. Nos anos 1980, com o governo sem dólares para honrar compromissos, a Petrobras abasteceu o Banco Central de capital estrangeiro. No início da década seguinte, foi a vez de o BC socorrer a Petrobras, que estava sem linhas de crédito no exterior. O BC depositava dólares no Banco do Brasil e no extinto Banco do Estado de São Paulo (Banespa), que eram repassados à empresa. “Portanto, não vejo nada de anormal no empréstimo dado à estatal pela Caixa Econômica”, assinalou. Para o economista Roberto Luís Troster, o fato de companhias de grande porte, como a Petrobras, se voltarem para o mercado interno em busca de empréstimos, não exclui as pequenas e médias empresas do sistema. Pelas suas contas, os bancos brasileiros têm capacidade para ampliar as operações em quase R$ 680 bilhões. (VN)